implicações…


– Seja bem vindo! Vejo que vens de longe em busca de respostas. Saiba de antemão que não as tenho, mas poderei ajudar a encontra-las. Primeiro sente-se por perto e vamos prosear um pouco. E não tema nada, pois tudo está conforme deveria.


Você se aproxima e senta-se por perto em um dos tocos deitados no chão. A região é grande e a mata espessa. O murmúrio da floresta lhe angustia a princípio, mas a presença do homem ao seu lado lhe acalma. Muitas perguntas surgem em sua mente, mas sua boca não as deflagra. E em silêncio permanece até o derradeiro momento.


– Vês tudo isso ao redor como está vivo?! Ele se cala dando mais espaço ainda a tudo aquilo que se apresenta à sua volta. Os pássaros se amontoando nas árvores para irem dormir. Os grilos já anunciando a mudança do dia. Felinos ao longe passam sem se importarem com a presença de vocês. E a fogueira estalando à sua frente lhe esquentando enquanto o vento toca a pele suavemente.


– A mata é interessante, sempre mutando-se nessa desorganização controlada. Ela tem uma consciência especial, maior do que imaginamos. Não como certos homens falam ou pensam. Ela não tem dimensão exata, mas podemos dizer que se acomoda por todos os lugares. Estar aqui em meio a ela é uma dádiva que poucos percebem. Somos uma parcela ínfima, que diferente dos animais paramos para racionalizar suas entranhas. Como se fôssemos um vírus com mente, capazes de não ser absorvidos pelo meio, capazes de destruir tudo sem um pingo de culpa ou receio, capazes de irmos embora e não sermos notados. Os animais já não se importam com isso. Penso que seja por que eles não criam valores para si mesmos, além dos naturais valores da sobrevivência, eles não se acham melhores ou piores do que qualquer outra coisa ao redor, eles são simplesmente uma parcela, que sozinhos estariam fadados à extinção. E a mata mostra-se bem mais esperta do que parece, quando percebemos que do menor ser ao maior, todos estão intimamente conectados.


Ele se levanta sem olha-lo e caminha poucos passos até descer a mão ao chão e pegar algo.

– O ser humano nasceu e desenvolveu-se em meio a isso, e como que por birra de moleque, despreza tudo para se sentir único e especial. A mata não se importa, pois como falei ela é bem maior do que isso. Mas os atos humanos não se apagam com facilidade. Difícil dizer que a mata não chore. Acho que esse fora o primeiro sentimento humano que ela aprendeu com facilidade. Ao longo desse desprezo doentio por tantos e tantos anos a mata absorveu um sentimento tipicamente humano, demonstrando aos mesmos que algo estava errado. Mas o homem, antes de mais nada é egoísta, e pouco se importa com coisas que vão além do seu umbigo. E por muitos anos a mata há de chorar cada vez mais. O que não se percebe entretanto é que tudo volta pro seu devido lugar, e como fizemos com ela, ela também fará. Não por vingança, mas por força da natureza da vida. A vida é naturalmente cruel se observarmos que somos sentimentalistas demais. A vida sofre para ser como é. E isso nunca fora ruim, os sonhos humanos de um lugar especial entre as nuvens foi que criou esse desentendimento, pra não utilizar outro termo e criar algum engano.


Ele volta e senta-se no lugar de antes brincando com algum pedregulho.


– Sabe. Se observarmos um conjunto de árvores, ao cortamos uma, nada parecerá fora do normal. Será feito dela o que for… casas, móveis, paredes. No entanto se cortarmos todas as árvores o lugar nunca mais será o mesmo. As árvores não choram por que uma delas caiu. Elas não são unidades separadas como nós nos encaramos. O grupo de árvores é um ser vivo só. Que como nossos cabelos, ao cair partes, outras tomam o lugar. No entanto se todas são cortadas, o que antes era um grupo de coisas vira um espaço sem nada, e aquela “mente” se dissolve no universo. Isso também não é um problema, visto que tornados são capazes disso em poucos segundos. Mas se não paramos de cortar as árvores, um dia elas deixarão de existir, e com elas todas as coisas ao redor, inclusive nós. Falo das árvores, mas isso se aplica à natureza como um todo. E como falei, cortar uma árvore e absorve-la em seu meio é divino, é o ato da criação. No entanto cortar várias e consumi-las é burrice sem precedentes. No entanto sabemos bem que ao cortar uma árvore, milhões de outros seres serão afetados, mas isso não quer dizer que sofrerão de fato.


Ele pega um graveto e joga na fogueira.

– O que falo é simples. Não há problemas em desejar coisas e tornar tais desejos realidade. Não há problema em viver e tomar posse das rédeas de sua estrada. O único problema é continuar achando que essas ações separadas não significam muito. Parece que pra amedrontar o homem precisa pensar na humanidade inteira agindo, no entanto um único ser humano é capaz de fazer atrocidades gigantescas e ainda assim achar que não se compara com o resto. O homem nunca vai deixar de desejar coisas e valores, ao ponto de imaginarmos viagens para outros planetas com facilidade se um dia aqui ficar inabitável. Claro, isso é nem um pouco sensato. É como pegar uma terra pra plantar, massacrar o lugar, chegar um dia que nada mais cresce e correr pra outro canto, achando que tem-se espaço de sobra. Até que tem, mas até quando? E quando um diz que precisamos cuidar da mata, ou melhor, da natureza a maioria ri como se risse de uma criança. Mas de fato é uma atitude risível mesmo. Como assim cuidar da natureza? Sabe… estamos a pouco tempo por cá pra nos acharmos tão especiais e fortes. O problema é que contamos os segundos, a natureza conta os séculos. A natureza não precisa de nós para sobreviver, mas quão melhor seria nossas vidas se ela estivesse ao nosso lado e não sob nossos pés. E quando isso se inverter? Quando estamos ao lado e invertemos, só mudamos de lado, em outras palavras continuamos ao lado. Quando estamos acima e embaixo e mudamos de lado?


Ele parece sorrir.


– O pé da natureza há de pisar sobre nossas cabeças, e esse dia não está longe. Mas admito que cansei desse assunto, quero agora ver e sentir o cheiro do lugar. Escutar os bichos zunindo por todos os cantos, ver as estrelas cintilando. Como também quero escutar o som dos carros nas estradas. Como acho magnífico os prédios e as casas. Nada disso deverá deixar de existir, pois sem percebermos recriamos a natureza, fizemos os seus desejos mais profundos virarem realidade. Mas teimamos em achar que fomos nós, por nós e somente para nós que fizemos isso tudo. Já percebeu que quando esquecemos alguém, ele também nos esquece. A vida é do mesmo modo, e seremos esquecidos por ela na mesma intensidade. E o mundo se transformará naturalmente, virando uma grande mata sem homens pálidos e ignóbeis. Cheio de casas vazias de pessoas, mas cheias de bichos e insetos que viverão vendo tudo aquilo se desfazendo, mutando-se como sempre fizeram. E chegará um dia em que esse planeta morrerá, como tudo no universo, mas dessa morte algo voltará… e a vida continuará eternamente. Ai implico nesse pensar: Então por que se importar? Bem… Eu não sou adepto de que precisamos sofrer pra estarmos aqui, mas também não fujo dos meus sofrimentos. Acredito que isso vai mudar mais cedo ou mais tarde, pra melhor ou pior, quem sabe. No entanto eu me disponho a viver junto, ao lado de todas as coisas. Sejam elas moldadas ou naturais, não importa. Importa que do seu sopro em meus ouvidos escuto uma sinfonia inteira, tramando o próximo passo.


A noite esfriou e a fogueira clareia pouca coisa ao redor. Em instantes aquele homem que falava verborragicamente parece desvanecer-se em meio a tudo. Assim você percebe que suas pernas já não desejam estar paradas. Suas mãos suadas implicam em pegar e tocar algo. O zunir de tudo parece lhe atordoar… isso não fora nada. Apenas um devaneio qualquer. Isso não fora nada. E quanto mais se repete isso, maior fica sua visão, seja da fogueira, das árvores, da colina, da mata, do horizonte às nuvens sem direção exata.